Tinha me divertido bastante em Viena, passei um fim de ano maravilhoso com bebidas quentes, valsa, jazz e muitos fogos, além disso, havia ficado em um albergue com figuras extremamente caricatas que poderiam me gerar várias histórias. Embora tenha gostado muito de Viena, estava extremamente empolgada em chegar nos meus dois últimos destinos: iria para Bratislava pela manhã e de lá pegaria um outro ônibus para Budapeste. Não haviam ônibus saindo direto de Viena para Bratislava, portanto pegaria uma espécie de conexão em uma cidadezinha da República Tcheca, vamos chamá-la de Pardstrava.
Cheguei e me situei: a rodoviária não passava de um telhado e um pequeno guichê com uma moça loira sorridente vendendo passagens. Por perto havia uma igreja, um McDonalds, um bar e o Grand Hotel bem em frente à rodoviária. Me apoiei em minha própria mochila e esperei pelo ônibus da conexão que só chegaria e sairia de lá dali a uma hora.
À medida que a hora ia se aproximando, eu conferia o local na calçada onde o ônibus iria parar - a "plataforma" - em uma tabela eletrônica na frente do guichê. Como essa tabela não apresentava tal ônibus 176, e outros do mesmo horário chegavam e iam embora, eu comecei a ficar nervosa e às vezes perguntava sobre o ônibus à moça do guichê, que me acalmava e dizia que em breve o ônibus chegaria, até que, de longe, vi o ônibus se aproximando. Meu coração encheu de felicidade enquanto a tabela atualizava e exibia um reluzente número 2, anunciando que ali ônibus estacionaria. Ele passou pela frente do guichê, pela minha frente e seguiu para fazer o retorno para parar na plataforma 2, ou foi o que eu imaginei. Eu e meu namorado olhamos tranquilamente enquanto o nosso tão esperado transporte passava por nós e seguia solene para Bratislava.
Passou cerca de um minuto antes que eu percebesse que o ônibus seguiu para o destino e que não ia fazer retorno algum. Meu coração afundou. Desesperada corri para o guichê para pedir informações para a garota loira. Mas, não era esse o ônibus? Porque ele não parou? O ônibus mudou de número? A menina parecia um pouco confusa, mas depois que ela percebeu o erro do motorista, não quis deixar o dela na reta e afirmou categoricamente em um inglês sofrível que sim, o ônibus parou ali na frente, na plataforma correta, durante cinco minutos e se nós não vimos, bom, teríamos que comprar outras passagens. Respirei fundo e falei "Moça, o ônibus não parou na sua frente eu estava do lado do seu guichê olhando para mesma direção que você e o ônibus passou direto." Eis que ela encrispa a boca, finge que não entendeu o que eu falei e murmura em um inglês com o sotaque ainda mais carregado que o ônibus parou durante três minutos bem ali na frente dela.
Eu fiquei catatônica, com o ódio de milhares de guerras borbulhando no meu estômago e antes que eu pudesse rogar uma praga em todas as empresas de ônibus do universo, meu namorado me tirou da frente do guichê e perguntou quanto custavam as passagens, voltei a mim e perguntei também quando ia sair o próximo ônibus. Ela com a maior calma do mundo e agora com inglês impecável responde que para Bratislava só dali a alguns dias e para Budapeste somente no dia seguinte, às 10:00 da manhã; haveria um a noite, mas com somente um lugar disponível. Meu namorado perguntou se dava pra ir em pé, ela riu e revirou os olhos. Comecei uma cachoeira de palavrões em português falado no tom mais amigável e baixo possível, deixei meu dinheiro com meu namorado para ele completar a compra. A última coisa que eu precisava naquele momento era ir presa por tentar arrancar aquela mulher de dentro do guichê pela janelinha.
Estávamos com as passagens, eram 11:30 da manhã, o termômetro estava marcando 0ºC, começou a nevar e não tínhamos para onde ir. Como também não tínhamos nada para fazer, entramos no Grand Hotel e perguntamos o preço da diária, o que gerou grandes risadas tristes uma vez que estava mais do que claro que íamos passar a noite na rua.
Resolvemos ir para o McDonald's, vimos que o local ia fechar às duas da manhã e abrir novamente às seis! Perfeito! Ficaríamos até duas, sairíamos para a rodoviária sem paredes, mas já às seis novamente teríamos paredes, teto e um banheiro. E, para ninguém incomodar comeríamos pequenas quantidades de comida ao longo do dia inteiro. Foi o que fizemos. Nos instalamos em uma mesa, e ficamos conversando, cochilando, jogando forca, dica, campo minado, pontinhos e principalmente, a cada algumas horas, alguém ia no balcão e pedia uma batatinha, um café e até mesmo um hambúrguer. Conhecemos o staff dos três turnos, e no final das contas, com a rotatividade, ninguém sabia há quanto tempo estávamos lá de fato.
Até que: 2 horas da manhã e rua. O bar fechado, a temperatura entre -2ºC e -3º, o chão parecia gelo - de fato tinha uma fina película congelada espalhada por todo canto - vento forte, a neve caindo e agora era esperar essas quatro horas passarem depressa. Meu namorado se enroscou feito um tatuí em cima de um banquinho gelado e eu decidi que o melhor a fazer era continuar andando, girando, pulando durante essas quatro horas e por vezes cantar uma bela canção. O grande problema era que se o pé ficasse parado muito tempo no mesmo lugar eu simplesmente parava de senti-lo, e ao longo das horas, isso independeu de eu estar em movimento ou não.
Cada minuto era um século, estava tudo frio, escuro e tenebroso. Minha imaginação corria enquanto eu olhava pras sombras da rua. Vi uma que parecia a morte com uma foice, me subiu um arrepio e eu dei uma risadinha nervosa, imagina se nesse minuto, exatamente agora eu ouvisse o grito de uma Banshee*? Ridículo, dei uma pirueta e comecei a rir sozinha. Até que um barulho alto cortou a noite e eu dei um grito e corri pra agarrar um namorado completamente confuso e atordoado. Enquanto eu ainda ouvia reclamações que isso não se faz e que ele podia ter infartado, começaram barulhos de sirene e de carros da polícia. Alguém tinha se jogado de uma janela do Grand Hotel, bem na nossa frente. Já chega! Quero ir embora dessa cidade maldita. Esse frio desumano: não conseguia mais sentir minhas orelhas, mãos e pés há muito tempo. Esse clima horrendo, essa energia tenebrosa. Me doía o rosto, me doía o peito me doía tudo.
Deu 6 horas da manhã, só para chegarmos de volta na McDolnad's e perceber que era domingo e domingo só abriria de tarde. Eu nem tinha mais energia pra ficar com raiva ou triste ou qualquer coisa. Estava cheia de um conformismo cansado e congelado. Ficamos, portanto, na rua, mais quatro horas, até a hora do ônibus chegar.
Depois de uma noite passando frio e sem dormir, nenhum ônibus entraria ou sairia da rodoviária sem minha avaliação completa de onde ele vinha e para onde ia. Me plantei na entrada e não deixei nenhum passar sem conferir se não iria para Budapeste, enquanto meu namorado saía de um em um vendo se eles não mudavam as plaquinhas dos destinos.
Loucos, disseram. Essas pessoas são loucas. Um grupo de brasileiras que estavam pegando uma conexão chegaram a sugerir que olhássemos apenas a tabela e perguntássemos às pessoas que trabalhavam no guichês."É tudo mentira!! Eles mentem! Não acreditem neles! Confiram os ônibus um a um!!!" guinchei para as meninas enquanto pulava na frente de mais um ônibus o impedindo de sair sem que eu tivesse conferido. "Já viu aquele ali?? Corre! Vou ver aquele outro!" gritava meu namorado.
Finalmente, pulei na frente de um ônibus que era o nosso. "Chegou!", gritei. Perguntamos ao motorista e a vários funcionários ao redor, incansavelmente se era realmente o ônibus para Budapeste, eu não podia acreditar e lançava olhares psicopatas a todos que reclamavam de tantas perguntas. Despachamos a mala, entramos, comecei a chorar e rir ao mesmo tempo. Fechamos os olhos e só acordamos lá.